quarta-feira, 13 de abril de 2011

Conversa de sauna.

- Maria, acorda! O despertador já tocou..
- Ah, eu não quero ir hoje. Me deixa ficar? - diria que Maria falava entre-sonhos, pois nem se deu ao trabalho de abrir os olhos.
- Não, Maria; levanta! Sabes bem que é muito ruim sem você.
- Não sei de nada disso, só que hoje eu quero ficar.
- Levanta, Maria, já fiz nosso café!
- Então, só vou sob uma condição - Maria adora impor essas condições, acho que é pra sentir-se no controle.
- E qual é?
- A gente vai de onibus! - junto com a frase veio a maior cara de satisfação.
- De onibus, Maria? Por quê? A parada é longe e tá chovendo... Não vamos chegar a tempo.
- A gente vai de onibus, e tenho dito.
- Então corre, se arruma depressa.

- Grande idéia, Maria! Agora só nos resta esperar mais 40 minutos até o onibus chegar e já estamos ensopadas.
- Nossa, dá para parar de reclamar? Eu nem queria vir.
- Olha, é o nosso onibus? Quanta sorte!
- Sorte. Sorte.. Acho que você fala tanto essa palavra para me irritar.
- Também acho que todas as 'condições' que você cria são para me irritar. - enquanto eu falava subíamos os degraus do onibus, que mais parecia uma sauna - em dias de chuva todas as janelas permanecem fechadas.
- Onde eu sento hoje, Maria?
- Pensei que você já fosse capaz de escolher seu próprio lugar, mas já que você perguntou... Quarta cadeira, no lado direito.
- Exatamente onde eu imaginei. E você, onde vai sentar, Maria?
- Hoje eu vou em pé. - e que fique claro: não por falta de lugar.

Ando até o lugar escolhido por Maria. Sento ao lado de uma mulher negra, que devia ter lá seus 34 anos e pesava algo em torno de 120 quilos. O suor escorria por todo o corpo, e agora eu realmente me sentia numa sauna. A principio, sua expressão não foi de alguém que estava gostando de ser incomodada, visto que não faltavam cadeiras vazias, mas ela se moveu um pouco deixando, enfim, metade da cadeira livre para que eu pudesse sentar. Olhei-a com um sorriso nos olhos, como o de quem agradece.
- Bom dia! - exclamei.
Ela retribuiu com um olhar suave e um sorriso de meia boca.

Nunca disse isso a Maria, mas eu gosto profundamente de andar de onibus. Lá de dentro eu vejo a rua de uma forma diferente. Poderia passar horas dentro do onibus observando cada detalhe, cada rabisco na cadeira da frente e, principalmente, as expressões em cada rosto ali presente. - Enquanto eu pensava sobre isso meu celular toca, era uma mensagem de Maria: "Não esquece: também tens uma boca." Sim, eu entendi o recado e me dispus a obedecer.

- Que tempo louco, não é?
- É!
- Será que amanhã vai ser igual?
- Espero que não! - realmente, acho que minha presença já bastava, mas Maria insistia para que eu incomodasse ainda mais.
- Qual é o seu nome?
- Cristina.
- Bonito nome, tenho uma grande amiga chamada Cristina! - tudo mentira, era só pra puxar assunto.
- E você, como se chama?
- Maria. - de certa forma não era uma mentira, já que toda aquela situação foi criada graças a Maria mesmo.
- Belo nome. Para onde você tá indo, Maria?
- Tô indo pra aula, mas acho que não vou chegar a tempo.
- Sei bem como é isso, Maria! Acordei as 4h30 para chegar no trabalho, que só começa as 8h30, mas pelo visto também não vou chegar a tempo. - nessa hora, como um estalo, entendi o que Maria quis me mostrar.
- A minha parada é a próxima. Foi um prazer conversar com você, Cristina! E boa sorte no caminho, espero que você consiga chegar a tempo!
- O prazer foi meu, Maria. Boa aula!

Ando até Maria - a verdadeira Maria - que me espera com uma certa expressão de orgulho, e antes que eu falasse qualquer coisa ela se adianta:
- Vamos rápido, "Maria", você vai se atrasar.

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